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15 de Abril de 2018

Desenvolvedor de ferramenta que checa Fake News, usada na eleição dos EUA, afirma: “Para cada notícia falsa verificada, uma quantidade maior é criada"

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Por Juliska Azevedo

O engenheiro de software sênior do Meedan (São Francisco, Califórnia, EUA), Caio Almeida, lida diariamente com as fake news e os caminhos possíveis para combatê-las - tanto pelas vias da tecnologia, quanto da colaboração. O brasileiro é responsável pelo desenvolvimento do Check - um software livre para verificação colaborativa de notícias falsas, que já foi utilizado na cobertura da primavera árabe, na investigação independente sobre o vôo MH17 e na cobertura colaborativa das eleições dos Estados Unidos e da França

Recentemente, Caio, que é mestre em Ciências da Computação, compôs o grupo dos 5 desenvolvedores de software do mundo selecionados para participar do Data4Change, um workshop de visualização de dados sobre direitos humanos no Oriente Médio, ocorrido em Beirute, no Líbano. Apesar do currículo, Caio Almeida é discreto, de estilo simples e despojado e muito atencioso. Concedeu a entrevista abaixo ao blog, com exclusividade, onde detalhou suas opiniões de especialista a respeito das mídias sociais, fake news e expectativas do uso da checagem de notícias falsas para as eleições 2018 no Brasil. Confira:

Você desenvolveu uma ferramenta que “checa” notícias para identificar possíveis Fake News. Como funciona?

A ferramenta chama-se Check, e é desenvolvida pelo Meedan (empresa para a qual trabalho desde 2011). É uma plataforma aberta para que equipes de jornalistas possam trabalhar colaborativamente na checagem de notícias falsas. O processo começa a partir de um trecho de texto, uma imagem ou link na web. A partir de tarefas a serem respondidas e a partir de informações fornecidas pelo sistema, o usuário pode marcar tal fato como verificado ou não, e após isso, compartilhar esta análise.

A ferramenta de checagem desenvolve um trabalho de robô ou depende totalmente dos comandos humanos para atuar?

A ferramenta é apenas um suporte. Toda a análise de veracidade é feita por humanos, com base nas informações que o sistema é capaz de fornecer, por exemplo, busca de imagens reversas (que é verificar se uma imagem já foi compartilhada em outros sites antes).

Que tipo de fraudes podem ser detectadas a partir dessa ferramenta?

Atualmente o Check suporta imagens, links da web (principalmente de redes sociais, como Twitter, Facebook, Instagram e YouTube) e trechos de texto (por exemplo, falas de políticos).

O que te levou a desejar realizar um trabalho nessa área, de Fact-Checking (checagem de notícias)?

Achei uma temática interessante e me surpreendeu o fato que geralmente não questionamos as notícias. Acabamos acostumados a assumir que as fontes são confiáveis e agem de boa fé. Quando comecei a trabalhar nesta área, mudei minha forma de agir e questionar as notícias.

Como foi a sua experiência com a checagem de fatos nas eleições dos EUA? 

Este projeto foi chamado ElectionLand e envolveu mais de 1000 jornalistas americanos. Não houve vinculação a nenhuma campanha específica, mas foi para checar, no dia das eleições, possíveis violações e notícias falsas reportadas por eleitores de todo o país. Em apenas um dia, mais de 5000 notificações foram recebidas e verificadas. O esforço colaborativo foi reconhecido com um dos prêmios mais importantes do jornalismo online, o Online News Association Conference em 2017. Este modelo foi utilizado novamente no também premiado projeto CrossCheck, que cobriu as eleições na França, e será utilizado também nas eleições do México neste ano de 2018.

Como sua ferramenta irá atuar nas eleições do Brasil?

Temos a ideia de realizar a verificação de fatos relacionados a candidatos a presidência para as eleições brasileiras deste ano. Este projeto surgiu em um hackathon em São Paulo no mês de março, em que desenvolvemos um piloto para isso, e estamos agora em fase de amadurecê-lo um pouco mais e colocá-lo em prática.

Pelo que você estuda, observa e trabalha, você acredita que há como se ter controle sobre as Fake News?

Controlar é difícil. Para cada notícia falsa verificada, uma quantidade maior de notícias falsas é criada. Por isso a importância do trabalho de fact-checking e de educação das pessoas para que este alcance das notícias falsas não seja tão amplo e para que o público tenha o hábito de questionar e verificar a fonte antes de compartilhar as notícias falsas, o que aumenta o seu alcance.

O mundo chegará a um nível mais eficiente de identificação de Fake News?

Acredito que sim. Trabalho no desenvolvimento de software para esta área desde 2011 e nunca vi o termo estar tão em evidência quanto atualmente. Isso demonstra que as pessoas estão se interessando pela temática e o assunto está sendo pautado em diversos meios, como na academia, nas empresas (não apenas de comunicação) e nos órgãos governamentais. A tendência, ao meu ver, é termos gradualmente mais políticas e metodologias para checagem de notícias falsas em todos estes meios, aumentando assim a consciência de todas as pessoas sobre este tema.

Você concorda com a ideia de que as pessoas se sentem atraídas pelas Fake News. De que esse interesse seria “da natureza humana”?

Eu não tenho a formação em psicologia para avaliar isso do ponto de visto científico, mas como um observador, eu acredito que sim. É muito comum recebermos notícias falsas no celular acompanhados da observação "na dúvida, compartilhei", enquanto deveria ser o contrário. Na dúvida, seria melhor não compartilhar. As notícias falsas geralmente são mais alarmantes, chocantes, e as pessoas tendem a compartilhar numa tentativa de alertar sua família e amigos, deixando de lado a preocupação com a veracidade dos fatos. Isso também é corroborado por pesquisas recentes. Por exemplo, uma pesquisa recente divulgada na revista Scientific American mostrou que posts falsos no Twitter tem 70% mais chance de serem compartilhados do que os verdadeiros.

Como devem se posicionar os profissionais de comunicação e imprensa, os jornalistas, nessa circunstância de uma “epidemia” de Fake News em que vivemos, na sua opinião?

Eu acho que o primeiro passo seria evitar a ansiedade por um "furo" de reportagem que possa ser inconsequente ao não verificar a veracidade da informação sendo divulgada, o que pode trazer graves prejuízos. A verificação de fatos deveria ser parte essencial e básica do trabalho da imprensa como órgão de popular credibilidade antes de divulgar qualquer informação. Para isso, é necessário um trabalho de educação dos profissionais, nos órgãos em que trabalham, e dos estudantes, nas faculdades de comunicação e jornalismo.

As Fake News poderão influir decisivamente nas eleições deste ano no Brasil?

Sem dúvida serão uma peça chave das eleições neste ano. Pesquisa recente divulgada pelo FGV comprovou que robôs foram utilizados na propagação de notícias falsas nas eleições de 2014 por todos os candidatos, e isso na época não teve muito repercussão. Para este ano, a consciência sobre o tema é muito maior, por isso ele está tão em evidência e em pauta. Inclusive o TSE criou um conselho consultivo com membros de diversos setores da sociedade para discutir e propor formas de lidar com o problema de notícias falsas durante as eleições.

Como você imagina o futuro das redes sociais e da divulgação de notícias on-line daqui a 10 anos? O que será diferente da realidade de hoje?

Difícil prever, pois em termos de tecnologia, 10 anos é uma eternidade. Mas eu acredito que cada vez mais teremos textos escritos por robôs com base em inteligência artificial, e o trabalho humano poderá ser mais focado na investigação e análise dos fatos do que na produção de textos mecânicos, aumentando assim a veracidade das informações divulgadas. Acredito também que os usuários serão mais educados, críticos e questionadores com relação ao que se lê. É uma perspectiva otimista :)

 

Nota do Blog: Caio Almeida esteve em Natal no início de abril, quando participou do Papo de Mídias, no Sebrae-RN, debatendo Fake News e Fact-Checking em evento que também participei como debatedora. 

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Sobre Juliska

Juliska Azevedo é jornalista natural de Natal-RN, com larga experiência em veículos de comunicação e também assessoria de imprensa nos setores público e privado.

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