Novidades sobre comunicação, educação, empreendedorismo, tecnologia, inovação e muito mais.

17 de Agosto de 2018

"Na era da tecnologia, professores devem sair da zona de conforto", afirma comunicador científico

[0] Comentários | Deixe seu comentário.

O interesse por comunicação científica e educação digital faz com que o biólogo Átila Iamarino se intitula “comunicador científico”. Cocriador do ScienceBlogs Brasil, braço em português da maior rede de blogs científicos do mundo, ele escreve e apresenta o Nerdologia, canal de divulgação científica no Youtube que conta com mais de dois milhões de inscritos. Ele também atua na área educacional como consultor e produtor de material didático e educação na era da internet. Átila foi um dos palestrantes da 3ª Jornada Nacional de Educação Profissional e Tecnológica, promovida pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI).  

Em entrevista à Agência CNI de Notícias, Átila enfatiza a importância do papel do docente na formação do aluno do século XXI. Para ele, o docente sai da função de detentor único do conhecimento para o de guia do aluno da era da informação. Átila defende que, enquanto não houver investimento na formação dos docentes e do uso das tecnologias na sala de aula, o Brasil não estará preparado para formar profissionais capacitados para a Indústria 4.0. Confira a entrevista.

Agência CNI de Notícias - Qual o papel do docente do século XXI?

Átila Iamarino - Continua sendo, principalmente, o de tutoria. A tecnologia traz um desempacotamento das coisas. Por exemplo: antes, para eu me transportar, eu precisava ter um carro e, com isso, havia uma série de consequências, como pagar imposto, abastecer, encontrar vagas no estacionamento. Hoje em dia com tecnologias como Uber e 99Táxi, há autonomia para sair de um lugar e chegar a outro - passa-se a ter a desmaterialização do carro e eu fico com o serviço puro.

A tecnologia está fazendo isso com os professores: separando o que é informação do que é tutoria. Os professores, até pouco tempo atrás, (século XX), eram os detentores de toda a informação que entrava na sala de aula. O aluno estava restrito ao que o professor trazia para o ensino e aos livros que ele escolhia. Hoje essa informação está disponível com um clique no celular. Então, o papel do professor pode ser muito mais dedicado à tutoria, ensinar as pessoas a conferir a informação, avaliar o que elas sabem ou não, entendem ou não… Ele deve saber direcionar a informação de acordo com o estágio de formação que aquele aluno está, a idade dele, o que ele precisa aprender… Servir como esse guia mesmo, um tutor do que é o mundo, e como esse mundo é aprendido.

Qual a dificuldade para implantar esse sistema de tutoria?

Átila Iamarino - A dificuldade é justamente deixar de se preocupar tanto com a informação que o professor carrega para a sala de aula e dar mais espaço e autonomia para ele servir como o tutor que apresenta o mundo para os alunos e ensina a eles como podem ser pessoas autônomas daqui pra frente.

O que o professor deve fazer para sair da posição de “guia de carruagem”, expressão que você costuma usar em algumas apresentações?

A limitação que o professor tinha antes era a de trazer todo o conteúdo para a sala de aula. Hoje, ele tem que estar disposto a passear por terrenos onde ele está desconfortável. A gente não domina tudo que está acontecendo no mundo e as tecnologias mudam muito rápido. Quem dá aula hoje se formou na época da Barsa, de uma outra formação e dá aula para alunos que estão aprendendo com Youtube, Facebook, Google e outras ferramentas. Então, para o professor sair desse papel de quem define tudo que o aluno precisa saber e fazer, ele precisa entrar um pouco nessa zona desconfortável e revisar as próprias ferramentas. Por exemplo: o dilema se a gente deixa o uso de celular ou não… se não for bem planejado, os alunos acabam se distraindo. É preciso fazer um uso inteligente disso.

O Brasil tem uma matriz curricular e qualquer mudança nela é um processo complexo. Dessa forma, como conectar o conteúdo e as novas tecnologias? Você acredita que há mais uma mudança de comportamento do estudante do que, propriamente, de conteúdo?

Conteúdo é uma coisa que está mudando no Brasil. Mas todas essas mudanças são mais na forma como o conteúdo é transmitido do que o conteúdo em si. Assim, o docente precisa ensinar o aluno a buscar informação, a comparar fontes, a ser crítico do que ele lê, a se posicionar e se questionar. O estudante precisa ter uma postura ativa em relação ao conteúdo que ele consome para o resto da vida. Até porque o conteúdo que a gente está ensinando hoje está ultrapassado por definição e, muito provavelmente, não vai servir no futuro porque a tecnologia e a ciência mudam muito rápido.

Qual a sua análise sobre a reforma do ensino médio?

Eu não acredito que a reforma do ensino médio - que é uma reforma de conteúdo - faça tanta diferença na educação brasileira. A gente ainda tem um sistema educacional muito voltado para o que foi o fim da revolução industrial: formação de pessoas que sabem ler, escrever e que têm certas habilidades que são usadas no emprego. A base curricular nacional recente está indo toda nessa direção de capacitar profissionalmente as pessoas, mas esse tipo de demanda já mudou.

O que a gente tinha que adotar mais e não está adotando é o uso fluente de tecnologias para buscar informação. O Brasil já deu o salto tecnológico - muita gente conectada pelo celular -, mas não está empregando essa mudança para aprender e se capacitar. Por enquanto, a tecnologia serve para entretenimento e para comunicação pessoal. São funções superimportantes, mas é só uma parcela do que podia estar fazendo. O país está desperdiçando toda essa base tecnológica de formação e de produção sem fazer uso dela e adotar em sala de aula, por exemplo.

Como formar o aluno da era da informação?

Ele tem que deixar de ser tratado como se essa informação fosse escassa e tem que começar a ser tratado como se essa informação fosse excessiva e o que ele precisa aprender é filtrar e se manter atualizado. Esse aluno precisa aprender a ter uma postura crítica em relação ao que ele estuda. Por exemplo, dentro da formação clássica, o que está no livro é o que vai cair na prova e é o que está certo. O aluno não é ensinado a questionar o que é visto em sala de aula. O conteúdo da escola é definitivo, é o cânone, a verdade, é o que vai ser cobrado na prova, e isso e acabou.

O Brasil está preparado para formar profissionais para mercados tecnológicos, como a Indústria 4.0?

Não. Sendo franco e sincero. A gente ainda precisa de formação técnica, especial, voltada para operação, como o Brasil de certa forma faz, como o SENAI faz muito bem, mas uma série de outras mudanças tinham que estar acontecendo aqui se a gente estiver pensando em Indústria 4.0. Por exemplo, a fluência em inglês. Todo conteúdo novo, que se aprende de maneira autônoma, vai estar, na maior parte, em inglês. A gente está muito restrito ao conteúdo em português. Se a gente não se dedicar a isso, o Brasil vai se manter cada vez mais isolado. Como o crescimento tecnológico é exponencial e ele se empilha, o Brasil não pode ter uma distância cada vez maior do que está sendo produzido de conteúdo mundo afora.

Fonte: Agência CNI de Notícias.

Deixe seu comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.

Sobre Juliska

Juliska Azevedo é jornalista natural de Natal-RN, com larga experiência em veículos de comunicação e também assessoria de imprensa nos setores público e privado.

+ Leia mais

Categorias